O lado DUB do som: a influência de Lee “Scratch” Perry em outros estilos musicais

Em 2017, a empresa que trabalhava me deu o ingresso para o show do Lee “Scratch” Perry, no Cine Joia. Em troca, eu deveria escrever um relato sobre a experiência para o blog da empresa. Como o público que teria acesso à postagem, em grande parte, não conhecia o grande “Scratch”, resolvi falar menos sobre o show e um pouco mais sobre o que ele representa para música e, também, sobre o dub. Este é meu relato, com algumas adaptações para o momento em que publico no meu blog…

Introdução

Lee "Scratch" Perry tocando com a banda Nairobi, no palco do Cine Joia, em São Paulo.

Lee “Scratch” Perry tocou no Cine Joia, com a banda argentina Nairobi. (Foto: Mila Maluhy | @milamaluhy)

A experiência que tivemos foi uma oportunidade de entrar em contato com um dos grandes nomes da música mundial, Lee “Scratch” Perry. Produtor musical e “inovador”, que ficou conhecido por ser um dos criadores do Dub. Antes de entrar no texto, vamos entrar no clima com um dos principais trabalhos do mestre, o álbum “Super Ape“, de 1976:

Lee "Scratch" Perry and the Upsetters – Super Ape (1976)

Neste artigo, vou me concentrar em falar mais sobre o artista, pois acho que tem mais impacto do que falar do show propriamente dito. Lee “Scratch” Perry é um senhor de 81 anos [NOTA: esta era a idade do artista quando originalmente escrevi o post] e que, aparentemente, estava mais louco que a tia do Batman no palco (sério! Veja só essa foto aqui).

Foto do Lee "Scratch" Perry no palco do Cine Joia, em São Paulo. Ao seu lado, ele possui uma mala de viagem.

Em determinado momento do show, Lee “Scratch” Perry entrou no palco com uma mala. Em discussão durante o show, chegamos à conclusão que ele estava “viajando”. (Foto: Fábio Gianesi)

O show foi uma boa apresentação, em que o cantor mostrou todo seu carisma e improvisou versos, acompanhado pela boa banda de dub argentina Nairobi [NOTA: a última atualização que a banda postou no Facebook foi exatamente da turnê que eles realizaram com o Lee “Scratch” pela América do Sul]. Uma experiência interessante para os fãs do estilo, que puderam curtir um dos grandes mestres da música jaicana.

Um pouco sobre o dub

Não podemos falar de Lee “Scratch” Perry sem falarmos sobre o dub, um estilo musical que surgiu na Jamaica a partir dos DJs de reggae, que, para conseguir o melhor e mais amplo som dos discos que tocavam, adicionavam efeitos (como reverb, echo e outros efeitos sonoros em geral) e aumentavam o baixo e a bateria. 

Como um dos criadores deste estilo, com bastante força em estúdio, Lee “Scratch” foi também um renomado produtor, sendo responsável por grandes sucessos e sonoridade de artistas como Bob Marley & the Wailers, tendo trabalhado como produtor em dois importantes álbuns dos Wailers: Soul Rebels (1970) e Soul Revolution (1971) – álbuns bastante importantes no desenvolvimento da sonoridade da banda.

Tem um vídeo bastante interessante (para os geeks de música como eu) que mostra um pouco de seu trabalho no estúdio (em inglês, infelizmente sem legendas):

Mas, sua importância vai além dos álbuns que produziu ou dos que gravou. O estilo que criou, as técnicas de estúdio e, principalmente, de remixagem influenciaram muitos músicos de diversos outros estilos musicais. E, são estes os trabalhos que mais me interessam – e os quais pretendo compartilhar com vocês! Como artistas de diferentes estilos e escolas musicais completamente diferentes de Lee “Scratch” foram tão influenciados e inseriram os elementos desenvolvidos/aprimorados por ele em suas músicas.

Easy Stars All-Stars

O Easy Stars All-Stars é um coletivo/banda que faz versões reggae/dub de músicas de artistas dos mais variados estilos. Ouvir seus álbuns é sempre incrível, pois os arranjos e as versões são sempre muito interessantes, mantendo características importantes da canção original, mas com elementos do estilo. Eu sugiro duas músicas da banda.

Billie Jean
do álbum “Thrillah” (2012), tributo ao rei Michael Jackson

Money
do álbum “Dub Side of the Moon” (2003), tributo ao Pink Floyd

O álbum “Dub Side of the Moon“, lançado em 2003, foi o primeiro da banda e é uma reinterpretação completa do clássico do Pink FloydThe Dark Side of the Moon” (1973). Não posso recomendar algo diferente de ouvir o álbum inteiro, porque é uma experiência incrível.

Ouça o álbum no Apple Music ou no Spotify.

Gov’t Mule

A banda de southern rock/blues rock também é bastante influenciada pela sonoridade de Lee, tanto que gravou um álbum com versões reggae/dub das suas músicas, chamado “Mighty High” (2007). Destaco uma versão para “Soulshine“, um das principais canções da banda, que o vocalista Warren Haynes compôs para The Allman Brothers Band, da qual ele fez parte.

Reggae Soulshine
do álbum “Dub Side of the Mule” (2015)

Dub Trio

O Dub Trio é uma banda de Nova York, que faz um crossover entre o dub e o rock, em sua maioria em músicas instrumentais. Formado por três músicos com grande experiência em estúdio, eles conseguem levar para seus shows toda a experiência que criam nos álbuns, utilizando uma série de pedais de delay, teclados e samplers.

Bay vs Leonard
do álbum “Another Sound is Dying” (2008)

Another Sound is Dying” é um ótimo álbum, lançado pelo selo Ipecac Records (do gênio Mike Patton), e serve como uma boa introdução à sonoridade da banda para quem ainda não a conhece. Aliás, vale reforçar Patton é um parceiro de longa data do Dub Trio. O vocalista e multi-instrumentista canta em algumas canções da banda (como “No Flag”, deste álbum), além de já ter feito turnê utilizando o Dub Trio como a banda para seu projeto Peeping Tom.

Ouça o álbum “Another Sound is Dying” no Apple Music ou no Spotify.

Real Coletivo Dub

Uma banda curitibana que mistura o dub, com música brasileira e hip hop, ganhou notoriedade e chegou a abrir shows d’O Rappa em Curitiba. Xandão Menezes, o guitarrista da tradicional banda de rock nacional, é um grande apoiador do Real Coletivo Dub.

Chama Violeta

Música Eletrônica

Há correntes de estudiosos musicais que falam bastante sobre como o dub influenciou diferentes gêneros de música eletrônica. O dub certamente ajudou no desenvolvimento de técnicas de remixagem, que são bastante utilizadas no estilo eletrônico. Trago dois exemplos de sons que claramente se apropriam de elementos que foram desenvolvidos ou, ao menos, fazem referência aos sons do dub.

Filth
da banda Skream

O dubstep é um estilo de música eletrônica que surgiu em Londres no final dos anos 90, influenciado pelo crescimento das festas de sound system jamaicano na cidade. O uso de bateria com bastante reverb e baixo bastante marcados, a utilização de efeitos são algumas das características que podem ser traçadas até a influência do dub. 

Teardrops (Mad Professor Mazaruni Vocal Mix)
da banda Massive Attack

O Massive Attack é um dos grandes nomes do trip hop mundial, um estilo eletrônico que não possui grandes relações com o dub. Contudo, este é um remix feito pelo Mad Professor, músico e produtor que é considerado um dos principais nomes da segunda geração do dub, com grande importância na transição do dub para a era digital.


Foto em close do artista no palco do Cine Joia.

Lee “Scratch” Perry ao vivo no Cine Joia. (Foto: Carol Martins/Stereo Pop Club | http://www.stereopopclub.com.br/)

Estes foram alguns sons que eu gosto inspirados pelo dub (e todo o trabalho do Lee “Scrach” Perry). E você, conhece outras músicas e artistas que trazem elementos tradicionais deste estilo? Compartilhe nos comentários!

~ por Fábio Gianesi em abril 21, 2021.

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